Um romance escrito com vinho

Entre episódios de infância e adolescência, o escritor Ignácio de Loyola Brandão descobriu a arte de tomar vinho despretensiosamente

por Luisa Migueres

André Brandão
Loyola prefere os vinhos italianos aos franceses

Tudo começou com uma “tonturinha gostosa”. Entre as missas da Matriz de Araraquara, o resto de vinho canônico que sobrava nas galhetas era discretamente divido pelo coroinha e futuro escritor Ignácio de Loyola Brandão e um colega. Já na adolescência, aos 18 anos, ele tornou-se um dos fundadores do Clube do Rum. “Nosso dinheiro permitia beber apenas um vinho chamado Castelo. Barato e horrível”, conta Loyola. Nas noitadas em que o estoque estava escasso, Ignácio saía pela madrugada com seus companheiros, em verdadeiras romarias, buscando qualquer tipo de bebida alcoólica.

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Atualmente a bebida preferida de Loyola é o vinho. E ele não precisa sair de madrugada em busca do líquido precioso. O escritor mantém uma adega em casa, com aproximadamente 40 rótulos, a maioria indicada por amigos connaisseurs. Um de seus maiores prazeres é chegar em casa, no final dia, e apreciar um bom vinho no terraço com a esposa, Márcia, e a filha Maria Rita. O interesse pelo vinho não se restringe à adega e ocupa um bom espaço em sua biblioteca particular. Ele lê livros sobre vinho como se fossem romances. “Não faço do vinho uma religião, ele é prazer, divertimento, momento”, explica o escritor. Para ele, há uma semelhança entre muitos críticos literários e os críticos de vinho: “São exibicionistas que arrotam regras, teorias, adjetivos, odores e sabores (em vinho e texto). A verdadeira crítica depende da sensibilidade”.

Apesar das altas temperaturas de verão, Ignácio não gosta dos rosés, pois não lhe caem bem. Na praia, prefere os brancos, frescos e suaves. E no jantar, costuma optar pelos tintos. Ele não tem uma lista de melhores vinhos provados, mas lembra com detalhes as ocasiões em que apreciou grandes rótulos. Em seu livro Veia Bailarina, dedica um capítulo ao Château Margaux com o qual, certa vez, foi presenteado. Em outra ocasião, o arquiteto e enólogo Miguel Juliano ofereceu-lhe um maravilhoso Montrachet. As orientações de Miguel lhe pareciam verdadeiras. “Quando falava sobre vinhos, era um encantamento, não uma chatice erudita”, recorda-se.

Além dos Grands Crus Classés, unânimes entre os connaisseurs, ele reconhece as virtudes que almeja na taça em vinhos mais acessíveis. Teve uma boa surpresa, por exemplo, quando degustou o Desejo, da Salton. Embora admita que o tenha feito com um receio inicial. No Velho Mundo, Loyola prefere mais os italianos que os franceses. “Um Barolo é uma delícia, quando tenho o suficiente para comprar uma boa safra. Mas gosto de um Escudo Rojo chileno. Tudo depende do que a carta de vinhos do lugar te oferece”, revela. Entre os portugueses, seus preferidos são Quinta de Pancas e Esporão. Aprecia também os tintos de Baden Baden e os argentinos da Familia Bianchi.

Os vinhos do escritor raramente permanecem guardados por muito tempo. “Assim como dinheiro é para gastar, vinho é para beber”, afirma. Quanto ao trabalho, diz não se influenciar muito pelo vinho: “Para escrever preciso estar absolutamente sóbrio, a cabeça lúcida. Babaquice? Mas é meu jeito”, afirma, sem rodeios. Também não compra vinhos em viagens. A única viagem em que o vinho é necessário, é aquela que ele mesmo proporciona. E essa é a sensação que Loyola busca em seus vinhos, um passeio fora de si, uma fantasia.

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