Nova Indicação Geográfica brasileira

O distrito de Pinto Bandeira, produtor de alguns dos melhores espumantes nacionais, é a mais nova região demarcada do país

por Sílvia Amascellarosa

Ivanira Facalde
INPI deu parecer favorável à concessão de Indicação de Procedência à região de Pinto Bandeira e certificado deve chegar em outubro

No final do mês de junho deste ano, o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual), órgão do Governo Federal, deu parecer favorável à concessão da Indicação de Procedência aos vinhos finos e espumantes da região de Pinto Bandeira, finalizando um processo que começou em 2003.

Isso quer dizer que, em outubro, quando, em uma cerimônia oficial, o selo e o certificado forem entregues nas mãos de Luciano Vian, enólogo presidente da Asprovinho (Associação Vinhos de Montanha), o Brasil terá conquistado a sua segunda indicação geográfica em menos de 10 anos - a primeira foi a do Vale dos Vinhedos em 2002 - região também prestes a mudar de status e tornar-se uma DO (Denominação de Origem).

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Foto: Divulgação
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Luciano Vian, presidente da Asprovinho, e Carlos Abarzúa (ao lado) acreditam no fortalecimento da região

Para quem aprecia os bons espumantes nacionais, essa conquista de Pinto Bandeira significa que alguns processos serão ainda mais rigorosos no cultivo das uvas e na preparação dos vinhos, e que a bela região finalmente receberá a atenção enoturística de que necessita. É em Pinto Bandeira que estão vinícolas como: Don Giovanni - com sua pousada de atmosfera absolutamente toscana, surgindo após uma curva da estrada principal que serpenteia através do lindo vale -; Vinícola Geisse - do chileno Mário Geisse e de seus dois filhos brasileiros, onde são feitos alguns dos espumantes que mais se aproximam dos de Champagne em nossas terras -; Vinícola Valmarino - do enólogo Marco Antônio Salton, com seus Cabernet Franc especialíssimos, e delicados espumantes -; e o Centro Tecnológico da Cooperativa Aurora - fincado desde a década de 1970 em uma montanha belíssima na região, e que agora se prepara para construir uma cave específica para espumantes de método tradicional (champenoise).

Além dessas quatro vinícolas, fazem parte da Asprovinho a Terraças e a Cooperativa Pompéia que, ao lado das outras, também terão que submeter seus produtos às normas da Indicação de Procedência e lutarão em conjunto para fazer a região aparecer não somente nas taças, mas aos olhos das pessoas que visitam a Serra Gaúcha.

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Geograficamente independente

Um dos fatores que dará impulso aos projetos da nova IP é o fato de que o distrito de Pinto Bandeira (que pertence ao município de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul) está prestes a se tornar independente. Dessa forma, os recursos arrecadados na região não serão mais diluídos nos diversos distritos do município maior. "Acreditamos que a emancipação vai fortalecer nosso conjunto. Pinto Bandeira vai crescer e as pessoas e empresas que cá estão crescerão juntas. Teremos um diálogo mais estreito com a prefeitura e com a secretaria de turismo, buscando promover ações em conjunto, coisa que hoje não conseguimos com o distrito sendo parte de Bento", explica o enólogo Luciano Vian.
Situada na região nordeste de Bento Gonçalves, Pinto Bandeira desfruta de uma geografia diferenciada em relação ao Vale dos Vinhedos. O pesquisador da Embrapa Uva e Vinho e especialista em zoneamento, Dr. Jorge Tonietto, coordenador do processo de obtenção da IP, explica que um dos critérios para a delimitação de uma Indicação de Procedência é precisamente a regionalidade: "Estamos em uma zona mais alta, de vales mais profundos. Assim uma das regras da IP determina que nenhuma área de plantio pode estar abaixo de 500 metros de altitude. O clima, dessa forma, é um pouco mais fresco e as colheitas ligeiramente mais tardias do que no vale". E como a Indicação Geográfica não corresponde necessariamente aos rigores do mapa, dos 7.900 hectares que compõem a IP, 543 estão no município vizinho, Farroupilha.
O regime de chuvas, esse sim, é semelhante à região que engloba o Vale dos Vinhedos, mas os solos são basálticos de origem vulcânica, muito antigos e excelentes para o plantio de uvas viníferas.

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As Indicações de Procedência valorizam e buscam preservar as particularidades de cada região, ou seja, o "saber fazer" específico empregado em um determinado produto, nesse caso o vinho e, especialmente, o espumante. Carlos Abarzúa - diretor técnico da Vinícola Geisse, que faz os espumantes de Cave Geisse e os de outros sete vinicultores - é um especialista no método tradicional e trabalha ao lado do proprietário Mário Geisse e da jovem enóloga Vanessa Stefani. Abarzúa conta que um dos objetivos da Asprovinho é conseguir que a região seja uma DO de espumantes champenoise. "Não vemos essa IP simplesmente como um selo que colocaremos em nossas garrafas, mas como mais um passo em busca da perfeição dos produtos e de uma singularidade da região, que vejo expressa na alta qualidade de nossos espumantes. Estamos fazendo um trabalho junto ao Sebrae para aumentar a visibilidade de Pinto Bandeira, tanto para o turista quanto para o investidor e, assim, começar o caminho da DO. Dentro da Geisse, faremos investimentos não só em uma nova cave para espumantes, como também nas áreas de visitação e na loja de varejo", conta Abarzúa.

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Identidade tinta

Os apreciadores dos bons vinhos brasileiros já conhecem muitos dos espumantes feitos em Pinto Bandeira, mesmo que a região não lhes seja familiar. A Cooperativa Aurora, por exemplo, tem muitos de seus cooperados produzindo uvas por lá e seu Centro Tecnológico é um local de pesquisa que funciona por vezes em parceria com a Embrapa. Dessa forma, a IP agregará valor e conceito ao trabalho e marcará uma nova fase da empresa quase centenária, que irá construir uma cave especialmente para a produção de espumantes no método tradicional de acordo com as regras da IP.
Mas nem só de espumantes vive a nova Indicação.

Entre os mais bem conceituados vinhos tintos da região estão os produzidos pelo enólogo Marco Antônio Salton, proprietário da Vinícola Valmarino. Marco é filho de Orval Salton, o primeiro enólogo formado que a Vinícola Salton teve, nos idos dos anos 1960. Algumas décadas depois, Orval deixou a empresa paterna para montar a sua própria em Pinto Bandeira, hoje conduzida por seu filho. As uvas tintas Cabernet Franc e Merlot encontram, nos patamares ensolarados da Valmarino, um terroir único e especial que, combinadas ao talento do enólogo, resultam em vinhos diferenciados. Um dos sucessos é o vinho Churchill, feito a pedido do americano Nathan Churchill (que vive no Brasil e comercializa rolhas e cápsulas), um Cabernet Franc 100% com quase um ano em barricas novas de carvalho americano. Em sua primeira safra rendeu somente 600 garrafas e é motivo de cobiça entre os apreciadores.

Neste ano será lançado (também preparado na Valmarino), o primeiro espumante Churchill de Chardonnay e Pinot Noir e uma nova safra do tinto. Quando provado em barrica um ano atrás, o Cabernet Franc era macio e vigoroso, de grande expressão. "Sabemos da qualidade de nossos espumantes e estamos felizes que a IP venha valorizar esse produto.
Mas queremos ter um vinho de corte tinto, somente para anos especiais, que será nosso emblema na nova indicação", afirma Salton.

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Primeiros vinhos

Em meados do mês de agosto deste ano, os associados da Asprovinho, enólogos da ABE e pesquisadores da Embrapa reuniram-se em uma degustação às cegas para definir quais são os produtos que poderão levar o selo em seu primeiro ano de existência. "Temos feito essas degustações e as análises químicas e gustativas desde 2008, quando solicitamos o selo ao INPI, pois já tínhamos os aspectos técnicos bem resolvidos na região. Mas a degustação de agora é feita pelo Conselho Regulador, que vai aprovar, ou não, cada um dos vinhos que desejam ostentar o selo da IP Pinto Bandeira", explica o presidente da Asprovinho.
Foram 15 amostras nessa primeira degustação e somente duas delas não atenderam aos critérios da IP. Os outros vinhos, assim que estiverem prontos (entre eles existem espumantes que ainda estão no processo champenoise) serão os primeiros produtos com o selo da Indicação de Procedência de Pinto Bandeira.

Para Jorge Tonietto da Embrapa (que tem sob seus cuidados mais três regiões em processo de análise para serem novas IPs), essa conquista mostra a clara evolução dos vinhos brasileiros. "Uma indicação de procedência agrega valor e melhora a imagem do vinho. Esse é o lado exterior. Mas, no interior, obter esse selo significa que foi vencido o desafio de se qualificar, de ter a tecnologia necessária para fazer bons vinhos e o cuidado ao preservar tradições, valores e mais ainda, uma preocupação séria com a sustentabilidade", afirma Tonietto.

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