Carne e sal

Quais vinhos acompanham melhor tábuas de frios?

Salame, prosciutto, linguiça, pastrami... Veja quais vinhos combinam com essas delícias

por Por Carlos Cordeiro – CWP

A necessidade e a fome aguçam o engenho, diz o ditado popular. A escassez de alimentos sempre nos rondou, seja por razões climáticas, seja por guerras, seja migrações, seja qualquer outra, portanto, preservar os alimentos se tornou uma necessidade vital. E fazendo jus ao ditado, logo tivemos êxito. Desde o século I há registro de comércio de carne salgada. No entanto, de lá para cá, muitas técnicas de preservação de alimentos foram desenvolvidas e aprimoradas.

A charcuterie é uma parte importante dessas técnicas de preservação. Ela é a combinação de preparações alimentares à base de carne – principalmente de porco, mas utilizando igualmente animais de caça, aves, gado bovino, coelhos, peixes (como salmão, por exemplo) etc. O sal é um componente importante nas técnicas da charcuterie – não à toa, na Itália, a mesma arte se chama salumeria

Mas, mais recentemente, as técnicas de preservação dos alimentos evoluíram ainda mais. Agora temos refrigeradores, congeladores, extratores de oxigênio e outros macetes que nem os nomes sabemos. Então, por que ainda fazemos charcuterie? Por uma razão muito simples: porque ela deixa as preparações deliciosas.

A charcuterie não só não foi esquecida como vem, há algum tempo, ganhando espaço de destaque na alta gastronomia. Não é incomum em um restaurante três estrelas de Michelin uma preparação com lardo, com pancetta, um patê, uma terrine etc. Não faltam exemplos, mas, para citar um, o chef Daniel Boulud importou de Paris para Nova York o mestre Charcoutièr Sylvain Gasdon para desenvolver e cuidar do seu Bar Boulud que, evidentemente, dá muita ênfase à charcuterie.

Rústicos

Então, se as delícias da charcuterie estão na mesa, devem ser harmonizadas. Mas, para isso, em primeiro lugar, vamos limitar nosso universo. Vamos excluir os patês, terrines, rillettes e confits. Ficamos com os embutidos em geral que incluem os salames, salsichas e salsichões, prosciuttos e pastramis.

A boa notícia: é a hora de usar aquelas garrafas menos nobres da adega. É proibido harmonizar com vinhos top? Claro que não, mas é desnecessário. Por mais que a charcuterie tenha invadido os salões de “haute cuisine”, ela não perdeu seu caráter rústico. Assim, vinhos mais simples, mas não por isso menos prazerosos, são parceiros perfeitos para os embutidos e afins.

O elemento fundamental de qualquer charcuterie é a gordura. Dificilmente ela passará despercebida. Assim, todos os vinhos que vamos sugerir terão, necessariamente, um elevado nível de acidez.

Pastrami

Comecemos com o pastrami que, por não ter muitas variações de preparo, como as salsichas, por exemplo, acaba tendo um espectro de harmonização um pouco mais limitado. Trata-se usualmente de um corte dianteiro bovino mantido em salmoura/marinada com açúcar, mel e alho (além evidentemente da água e do sal), e posteriormente defumado com uma crosta de sementes de coentro e pimenta preta. O sabor é intenso e marcante, mas não é forte. Definitivamente, precisamos de um tinto para acompanhar. E ele terá que ser leve, com taninos bem macios, não muito encorpado, frutado e ter muito boa acidez. Principais candidatos: Beaujolais, Dolcetto e Valpolicella.

Prosciutto

Vinhos mais simples, mas não por isso menos prazerosos, são parceiros perfeitos para a charcuterie

Os prosciuttos, por exemplo, são um caso emblemático do poder da gordura na charcuterie. Eles são usualmente pernis de porco salgados e envoltos por uma camada adicional de lardo e pimenta preta, e deixados para secar no ar. Descrevendo dessa forma, parece um processo simples, mas cada uma dessas etapas é meticulosamente controlada, desde a alimentação dos porcos até a temperatura e a maturação de cada peça de presunto. O resultado dessa arte (nos fixando agora nos melhores produtos: Serrano, Ibérico de Bellota, Parma, Bayonne, San Daniele) é uma carne de tal forma integrada à sua gordura, delicada, suave e sutil, que se desmancha na boca. Apesar de ser um pernil de porco, ela toma uma forma tão delicada que se posiciona no meio da escala de corpo, assim, aceita com a mesma elegância e generosidade brancos, rosés, tintos e espumantes. Só faz uma exigência, e você já sabe qual é: acidez.

Comecemos o rol de possibilidade do prosciutto com os espumantes: vão bem os Brut tradicionais assim como os Brut Rosés. Se a opção for pelos presuntos espanhóis, por que não um Cava? Na mesma linha, um Parma pode ser acompanhado por um Franciacorta. Partindo para os brancos, relacionamos: Chenin Blanc, Muscadet, Orvieto, Pinot Grigio, Riesling, Soave, Verdicchio, Viura e por que não um Chablis? Outra excelente pedida são os rosés. Entre as boas opções estão os vinhos do Bandol, os Sancerre e os tradicionais Côtes de Provence. Finalmente, chegamos aos tintos. Além dos três já sugeridos para o pastrami, podemos acrescentar à lista: Barbera, Borgonha, Chianti, Côtes du Rhône, Grenache, Pinot Noir e Rioja. E aceitamos um tom acima no corpo aqui. Por fim, não podemos deixar de citar um vinho que pouco frequenta nossa mesa, mas que é grande destaque quando o assunto é charcuterie: o Xerez. Neste caso, tanto o Fino como o Manzanilla costuram uma liga difícil de ser batida.

Ter um elevado nível de acidez é fundamental para um vinho acompanhar bem os embutidos

Vale tentar mais ou menos os mesmo vinhos com copa, capicola, culatello, bresaola (elaborada com carne bovina), e com qualquer outro tipo de charcuterie que tenha processo de preparo semelhante ao do prosciutto, ou seja, uma peça de carne “temperada” e deixada por longo tempo “curando”. Algumas tenderão mais para os tintos, como é o caso da bresaola, outras serão tão versáteis quanto os prosciuttos. O interessante é experimentar.

Salames e afins

No último grupo, colocamos os embutidos que podem ser os salames, salsichas, salsichões, linguiças etc. Entre os salames, além daqueles que nos acostumamos a chamar de italiano, hamburguês e milanês, há uma variedade muito grande. Para citar alguns ainda nos tradicionais: Cacciatorini (leva alho e vinho tinto), Felino, Finocchiona (com sementes e pólen de erva-doce), Napolitana (com temperos africanos) e Sopressata. Todos esses são feitos com carne de porco, mas há variações com carne de caça, por exemplo. E há ainda novos salames gourmets. Enfim, não dá para imaginar um gosto único quando pensamos em salames. Portanto, mais uma vez, para nosso deleite, teremos o privilégio de fazer avaliações.

Novamente, o condão que une os embutidos é a gordura, então, reforçamos: precisamos de acidez. Vamos começar novamente com um espumante. Na verdade, um quase espumante. Um vinho frisante, o Lambrusco. O Lambrusco é originário da Emilia-Romagna, na Itália. É um vinho frutado, com um marcante odor de violetas. Na boca, é muito leve, refrescante, vibrante e tende a frutas vermelhas. Estragamos a brincadeira começando por ele, pois é realmente uma das melhores opções. Outros tintos leves, como muitos dos já mencionados também vão bem: Valpolicella, Barbera, Bardolino, Beaujolais e Pinot Noir. Antes de definir o vinho, é muito importante experimentar o(s) salame(s). Só assim se terá uma noção do que de fato virá pela frente.

Com as salsichas e linguiças não é muito diferente. Podem-se encontrar salsichas, inclusive, de frutos do mar, portanto, é preciso provar antes para saber com quem estamos negociando.

Beaujolais, Dolcetto, Valpolicella, Barbera, Borgonha, Chianti, Côtes du Rhône, Grenache, Pinot Noir e Rioja são opções de tintos para acompanhar embutidos

Opção para os mais ousados, Xerez faz um dos melhores pares com uma tábua de frios

Como guia, tenhamos o seguinte em mente:

  • Com salsichas e linguiças tradicionais, de carne de porco, com tempero moderado, podemos expandir o leque: rosés, Gewürztraminer, Chenin Blanc, Riesling, Vouvray, Pinot Gris, Beaujolais, Dolcetto, Valpolicella, Barbera, Chianti, Côtes du Rhône, Pinot Noir e Rioja;
  • Chorizo pode ser acompanhado de Xerez Fino (Manzanilla ou Amontillado), Rioja, Barbera, Borgonha, Côtes du Rhône, Grenache, Pinot Noir e Chianti;
  • As salsichas e linguiças apimentadas ou com temperos mais fortes vão bem com Riesling, Gewürztraminer, Dolcetto, Chianti e Chablis;
  • Ao lado do Saucisson, tente um Beaujolais;
  • Acompanhando um Andouille, experimente um branco da Alsácia;
  • Para fazer frente ao Bockwurst, teste Chenin Blanc, Pinot Gris e Riesling.

Tábua de frios?

Há vinhos e charcuterie para todos os gostos, não há como deixar ninguém de fora. Há apenas uma última pergunta a ser respondida: qual a melhor escolha de vinho diante de um prato variado de charcuterie? Para os mais ousados: Xerez. Para os mais conservadores: Dolcetto. Para quem quer tentar algo diferente: Lambrusco. Deixe a tentação e a curiosidade aguçarem o engenho da harmonização.

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